segunda-feira, 24 de dezembro de 2007

Espaços intradigitais vazios
ausência de outras mãos

A morfologia da solidão fez-se:

quatro espaços vazios em cada mão e, ainda que pares, ímpares.


Alianças adornam o dedo
nunca os espaços vazios
(seria mesmo um sinal de evolução ter uma lacuna não preenchida a mais?)

Ainda assim, contra o que se espera dos homens, foram-me dadas duas mãos



Para que eu não me esqueça que é sem volta.



Imagem: David Ho

sexta-feira, 23 de novembro de 2007

Apócrifos, Das cartas não enviadas: Taxi

30 de abril de 2007.





Lá se foi você. (Denovo). Dobrou a esquina e seguiu num rumo que já não sei mais. O que sei é que tem areia entre meus dedos e esse sentimento tão raro, que não sabe ser escasso e que não cessa, decidiu fincar os pés aqui dentro de mim.

Único por não saber dizê-lo. Tento comparar, usar figuras de linguagem sempre tão batidas, tento dar nós em fios que sequer consigo segurar entre os dedos. Depois?

Depois continua aqui. Essa coisa imensa e sem nome que penso ser mar, se não fosse também terra firme (ou fofa, onde afundam meus pés). Que eu penso ser mar, se não fosse antes de todas as cores. Que eu penso ser mar, se já não fosse há muito (dentro de mim e maior que eu).

Lá se foi você dobrando a esquina, num carro estranho que tem uma plaquinha brilhante, onde com letras verdes está escrita uma palavra que em algum dialeto muito, muito antigo deve significar "arrancar pedaços".

Apócrifos, das cartas interminadas: Lençóis



e no fim...




Da minha janela posso ver uma nesga de céu laranja. Dizem que noites assim são noites de chuva, mas o vento que sopra é só frio e não me traz uma gota d'agua sequer.
Posso ouvir num ponto distante fora do meu quarto uma televisão ligada, sintonizada num daqueles programas de madrugada, e um silêncio se arrastando entre os casais que dividem a mesma cama. Falta-me o sono.
Me pergunto quantas pessoas estão, como eu agora, olhando o céu laranja que se abre em buracos cor de chumbo quando faltam nuvens.
Meus pés passeiam por entre os lençóis.
Deslumbra-me a pouca luz que cai sobre mim. Será que o céu é laranja porque reflete a luz dos postes? Se for assim, alimento o desejo de uma queda de energia. Só pra descobrir a verdadeira cor do céu. E ver as tais estrelas que a luz esconde.




--------------------




Nesses apócrifos colocarei trechos ou cartas inteiras não enviadas. Ou ainda textos não concluídos ou que mereciam a fogueira.



Qualquer Deja Vu é mera vontade do 'ter sido'.

segunda-feira, 1 de outubro de 2007

Das Ilhas e Tardes perdidas.

Pensando bem, se me fizessem aquela velha pergunta "O que você levaria para uma ilha deserta"? Eu responderia: uma Tv que sintonizasse a sessão da tarde. Daria eu a sorte de assistir "O Naufrago" ou "A Lagoa azul" e aprender a sobreviver?

Espero que sim. Ou teria o tédio como causas mortis.

quarta-feira, 26 de setembro de 2007

Sobre as conchas da mão




"Toma o amor guardado entre as conchas da minha mão. Dentro delas ouvi as ondas quebrando-se em pedras e o espetáculo de um pequeno musgo nascido à beira de um raio de sol. Dentro delas, ouvi a terra aninhando sementes e plantas entrelaçando a ponta de suas raízes. Finas raízes tentando sustentar o mundo sob as placas de cimento. As placas de cimento, de onde germinam as casas e crescem as pessoas, entrelaçando a ponta de seus braços e o mais fundo de seus corpos pela noite escura. Dentro delas, ouvi o mundo inteiro tentando ser par...
e ouvi a ponta de tuas asas tocando minhas costas nuas, teu instrumento
de cordas e suspiros profundos. "
Texto: Rita Apoena
Imagem: Minha

sexta-feira, 7 de setembro de 2007

Apócrifos, das cartas interminadas:O sino do ventos.

Fortaleza, 2 de Setembro de 2007.
L.,





Quanto tempo faz? Tanto e tão pouco, (E entre nós ainda se estende um antigo silêncio. Muito antes de nós). É como se dedilhássemos no ar ideias ancestrais, que se misturam e se perdem nas voltas do tempo. quais as minhas? Quais as suas?
Ao mesmo tempo que me perco em ti, te estranho como estranho a todos. Te estanho como se em estranhasse: Em atos simples do "desconhecer". (Não reconheço minha própria letra. Mas minhas mãos são irmãs das tuas).





---------------------





Nesses apócrifos colocarei trechos ou cartas inteiras não enviadas. Ou ainda textos não concluídos ou que mereciam a fogueira.


Qualquer Deja Vu é mera vontade do 'ter sido'.

segunda-feira, 3 de setembro de 2007

Banho de Sol

Atravessava o jardim e ia beirar o pequeno portão de ferro. Lá vinha o dia chegando por detrás dos telhados. Doralice a ajeitava no balanço do jardim e colocava seu pequeno chapéu na cabeça com poucos fios de cabelo. Banho de sol. Uma víbora branca subindo a parede. A grama ainda encharcada do orvalho da madrugada, quando as fadas dançavam no jardim.
Fadas, sim. Já era tempo de acreditar nas fadas e nos duendes ou quem qualquer coisa que lhe contassem sobre seres mágicos. Baile de flores duravam a noite inteira e não existia outro motivo para que amanhecessem fechadas.
Doralice veio calçar-lhe as meias claras.
-Ana, não fique olhando assim para o sol. Vai fazer mal à sua vista. Sente direito. Vou buscar seu leite.
Esperou Doralice cruzar a porta da cozinha e tirou as meias. Pés no chão. Ana. Ana e as borboletas. As e as folhas secas. Ana e o cheiro de jambo. O chão coberto de rosa. Ana e o ferrolho do portão. Ana e o chapéu que caiu no caminho. Ana e seu primeiro passeio. Primeiro sozinha naquele novo bairro. Ana e os pés no asfalto. Ana e seu banho de sol. Ana e o carro de seu Jaime que não a viu atravessando a rua. Ana e seus 82 anos. Ana e o gosto de ferro na boca. Ana e o rosto no asfalto. Formiguinhas. Ana. Ana e Aninha.
E naquela noite as flores fizeram um grande baile.

segunda-feira, 20 de agosto de 2007

Um dia acordarás num quarto novo.

"Um dia acordarás num quarto novo
Sem saber como foste para lá
E as vestes que acharás ao pé do leito
De täo estranhas te farão pasmar,
A janela abrirás, devagarinho:
Fará nevoeiro e tu nada verás...
Hás de tocar, a medo, a campainha
E, silenciosa, a porta se abrirá.

E um ser, que nunca viste, em um sorriso
Triste, te abraçará com seu maior carinho
E há de dizer-te para o teu assombro:
- Não te assustes de mim, que sofro há tanto!
Quero chorar - apenas - no teu ombro
E devorar teus olhos, meu amor..."

Hoje eu acordei num quarto novo com uma janela duas vezes maior que a minha. E uma cama de casal ao invés da minha antiga cama de solteiro. A luz que entrava pelas venezianas era duas vezes mais luz e ali ao meu lado estavam 4 travesseiro.Na estante, o Quintana e seu Espelho mágico justificavam a dobradura das coisas.

Hoje o quarto da minha mãe é meu quarto. Me sinto duas vezes mais velha.

sexta-feira, 6 de julho de 2007

Sonhos no varal. Porto das Núvens Julho de 2007.


Com um pouco de calma, quem sabe, é possível ver clareza nas coisas.
Nas coisas claras de Clara, que dança uma valsa entre as roupas estendidas no varal. Uma reverência ao terno velho que já vai ao terceiro ou quarto carnaval e um rodopio majestoso entre o vestido florido e a toalha de mesa.
Pois tudo é Clareza. Até o par de meias encardido do uso ou desuso se faz alvo, contrastando com a cinza do dia e das quartas-feiras.
E Clara, com seus claros e escuros, segue o bloco imaginário despida de fantasias. Entre a multidão de roupas estendidas quer ser a mesma, sem paetês, lantejoulada de breu,
alegoria de tardes inteiras.
Até findar o cordão.


"Angústia, solidão
Um triste adeus em cada mão
Lá vai meu bloco vai
Só desse jeito é que ele sai
Na frente sigo eu
Levo o estandarte de um amor
Do amor que se perdeu num carnaval
Lá vai o bloco e lá vou eu também
Mais uma vez sem ter ninguém
No sábado, domingo, segunda
E terça-feira...
E quarta-feira vem o ano inteiro
É sempre assim
Por isso quando eu passar
Batam palmas pra mim"

terça-feira, 22 de maio de 2007

Seis e vinte.

Se eu costurasse os pedaços desses dias, se eu conseguisse emendar com o fio da sonolência todos esses retalhos talvez eu conseguisse tecer um belo lençol para me cobrir. É que o sol tem brilhado sempre, e sempre existem coisas novas e coisas antigas. E as pessoas vem e vão e algumas (e isso é segredo) flutuam. Outras caem de ônibus.
Mas hoje eu quero ficar na cama. Quero fingir que eu estou dormindo só para ouvir quietinha o dia acontecendo:
O bule assobiando, os toc-tocs nos degrais da escada, as primeiras vassouradas na calçada...
"Me deixa aqui hoje, me deixa? Eu não quero ir para a escola hoje. Eu não quero colar palitos de picolé e fazer o contorno da minha mão de amarelo. Não, eu não sei amarrar os cadarços ainda. Não ria de mim por isso. Promete que não vai demorar para vir me buscar mais tarde, promete? Às vezes fico só eu e o porteiro e o resto do meu lanche (que eu nunca como todo pq eu sei que você vai se atrasar e eu vou ficar como fome). Por favor, me deixa ficar em casa. Eu tô com Febre! Se não estou eu vou ficar."

Eu tive que aprender a esperar desde bem cedo.

---



"A billion people died on the news tonight
But not so many cried at the terrible sight
Well mama said
It's just make believe
You can't believe everything you see
So baby close your eyes to the lullabies
On the news tonight..."

domingo, 13 de maio de 2007

Fortaleza velozcidade






















Estação da luz
Nos borrões das seis da noite
desenhos no asfalto
Num teatro de arena um monologo estático
[de uma estátua patética .

E continua o balé engarrafado.


---------------

A Praça M.Dias Branco, mais conhecida como rotatória ou matadouro, fica logo no início da Av. Aguanambi. A praça permanece praticamente intacta, já que ninguém vai lá. O seu único habitante é uma estátua de pedra. O espaço tem se tornado uma verdadeira úlcera para motoristas que precisam voltar para casa passando por lá.
E eis o que diz o seu arquiteto:

"De acordo com Sérgio Rodrigues, após a finalização da obra, a praça será um espaço para a realização de movimentos culturais, como a apresentação de corais. "A praça não poderia deixar de ter uma utilidade". Para isso, segundo ele, o espaço ganhará também um coreto e dois quiosques, em metal, e 32 bancos de madeira. O arquiteto também ressaltou o fato da praça possuir segurança 24 horas e um contrato de conservação, ambos financiados pelo grupo M. Dias Branco."

Um total de 97 acidentes foi registrado em 2005 nas proximidades da rotatória. Houve uma morte, 12 feridos e 84 pessoas saíram sem ferimentos. Do total, aconteceram dois atropelamentos. Eis a útilidade.

--------------

Ah, Fortaleza.
Ah, Veloz cidade.
Posted by Picasa

terça-feira, 8 de maio de 2007

Geometria Sartreana

Definição:

Um plano é um subconjunto do espaço vazio de
tal modo que quaisquer dois pontos inexistêntes
desse conjunto possam ser ligados por um segmento
de reta inteiramente contido no conjunto vazio.

sexta-feira, 27 de abril de 2007

Fortaleza Bélica


Eu vou te esquecer em Paris.


****


Poema-Pílula dedicado ao Henrique e a Carmélia Aragão :P

terça-feira, 10 de abril de 2007

Erik Satie (ou o homem dos doze ternos de veludo)


9 km até um café em Monmarte. E se irritava quando as pessoas paravam para ouvi-lo tocar o piano.
O que ele queria era música-mobília.

- Não parem de falar! Façam alguma coisa, mexam-se!

Foi mais um dos incompreendidos. Colecionava guarda-chuvas e cachecóis. Pediu Suzanne Valadon em casamento no primeiro dia. Tinha mania de comida branca.Criou sua própria igreja e excomungava todos que discordassem dele. Mas esses pequenos absurdos (para os outros) não incomodavam tanto o resto do mundo como a sua música.
Satie era subversivo, irritante! Um pianista que compunha músicas de 51 segundos era realmente uma ofensa. Os críticos argumentavam que seu minimalismo era resultado da incompetência: Fora resistente aos estudos clássicos de piano.
Colocava em suas partituras instruções de interpretações do tipo "Pense sobre você mesmo", "Questionando", "Sem Orgulho", "Passo a Passo", além de nomear seus trabalhos com nomes quase ridículos como
Chilled Pieces, Drivelling Preludes (for a Dog), Dried up Embryos ...
E ele, como é de se esperar, morreu. E onde está Erik Satie? Quem o conhece? Ele que influenciou Debussy, Ravel, Picasso. Ele que combateu o romantismo musical. Ele que usou pela primeira vez o termo surrealismo. Ele que, Por Deus, criou as Gymnopédias e a música ambiental!
Hoje ele se resume a doze ternos de veludo cinza. E está aqui dentro, compreendendo como ninguém o que eu quis dizer com "silêncios entre um acorde e outro".

domingo, 18 de março de 2007

A grande sinceridade

A grande. A assustadora.Que me vem como que para lembrar o que sem saber esqueci.À Grande Sinceridade caberia uma analogia com o vento, se não fosse ela mais que ventania. Arranca-me os telhados e viola as portas que eu queria acreditar invioláveis. E diferente do vento A Grande Sinceridade vem de dentro e não de fora. E vem de fora também , ou talvez algo fora à chame, como um assobio de sentindo. É a mesma Grande Sinceridade que me faz assumir agora a preguiça de chama-la pelo nome completo e render-me ao desejo de chama-la de Ela, simplesmente. É ela ainda que em paradoxo amordaça-se. Em paradoxo faz com que eu meça cada centímetro do dito e do não dito. Ela precisa de aprovação. Vive disso. E ela que assusta também tem medo: Medo de ser antiga mesmo que nova, medo de ser clichê. Ela é sempre submetida a pesadas críticas e análises mesmo sendo em si a sinceridade. O grande soluço. A implosão que vive na iminência de explodir e para isso é necessário muito pouco.Ela me acorda em certos dias enquanto de um ponto a outro: O grande soluço da memória. Seguido de medo medo medo medo medo. E depois se deita aliviada para mais tarde me acordar em sobressalto novamente.A Grande Sinceridade vive em mim, e não paga aluguel, e não sabe gramática e não cabe nas letras.A grande Sinceridade vive em mim. E não se chama Jamile. A grande Sinceridade morre em mim e eu ando por aí como alguém que tem soluço crônico. E espaçado.

-----------------------


Coloquei esse texto aqui porquê pretendo deletar o outro blog. Acho que a única coisa que vale a pena guardar é esse texto.

Cortinas




















Eu sou ausência.
Com mãos pequenas eu tento segurar todos os
fios de uma teia que se desfaz:
10 dedos, Oito patas devidamente articulados para sobrevivência.


Eu sou ausência.
Dessa ausência teço meus fios: Dos silêncios e Esperas.
Do que assisto em segredo. Do escuro dos cantos. Das pequenas formigas que me alimentam.
Das janelas abertas uma vez por semana.


E me repito: Eu sou ausência.
Há muito não visitam a minha teia. Nem vermes nem borboletas.
Continuo a tecer fios (Dos telefones. Dos trilhos de trem).


Eu sou ausência.
Logo eu que jamais romperia casulos (Darwin, Mendel e Rousseau também não poderiam)
Me fiz asas e não volto mais.


Eu sou ausência:
O que restam são só teias.
E ainda assim temem as criaturas.
Temem o que se fez ausente.




Conchas. Casulos. Colméias.Apartamentos.




-------------

O objeto não toca a imagem. Jamais.

terça-feira, 13 de março de 2007

"numa dessas noites tudo vai embora..."

Quando a brasa que não apaga e não incendeia solta faíscas
Suspeito que talvez essa vida que tenho chamado latente
seja na verdade latejante.

(até a dormência)




---------------------
Em breve escreverei mais, mesmo que tolices.

terça-feira, 6 de março de 2007

Não amarás.

só pra constar:
não tão impossivel assim.

Acabei achando o tal filme do Krzysztof Kieslowski que eu quis
muito assistir numa noite dessas. E é realmente um bom filme.

Agora eu tenho um pedacinho a mais. :)