sexta-feira, 18 de novembro de 2005

— E você, por que desvia o olhar?
(Porque eu tenho medo de altura. Tenho medo de cair para dentro de
você. Há nos seus olhos castanhos certos desenhos que me lembram
montanhas, cordilheiras vistas do alto, em miniatura. Então, eu desvio
os meus olhos para amarra-los em qualquer pedra no chão e me salvar do
amor. Mas, hoje, não encontraram pedra. Encontraram flor. E eu me
agarrei às pétalas o mais que pude, sem sequer perceber que estava
plantada num desses abismos, dentro dos seus olhos.)
— Ah. Porque eu sou tímida.

sexta-feira, 4 de novembro de 2005

O dromedário

efizema e promessa
bem quis ser poeta
bem quis ser poema
bem quis se mudança

Mas esperou a bonança
e bonança não teve
e criança não teve
nem esposa não teve

Então esperou pelo tempo
que dizia que tudo cura
E veio o tempo
o Estado
a República
veio a promessa
veio a mudança
veio a bonança
veio a esposa
veio a doença
(que a promessa não cumpriu
que a mudança não mudou
que a bonança não sorriu
que a esposa não pariu
que a criança não chorou
que o tempo não curou
que todo mundo partiu)
E só ele ficou (ele ficou só)
E como "ele" não rima com nada
abandonou a caneta
é que veio tudo mas diz ele
que faltou a tal vocação
(pra viver ou pra escrever?)