terça-feira, 21 de setembro de 2010

Meus dois olhos numa caixa,
para que você possa ver o que eu vejo.
E olhar para si sem morrer de medo
do mergulho
das penumbras
dos desejos


E doce risco da rima

terça-feira, 7 de setembro de 2010

Cirrus

Na volta, o silêncio da estrada
O cansaço de estar junto e a necessidade de estar em si, e só
Sempre assim: O momento de nada mais ser dito no retorno de qualquer viagem.
Dentro, alguma coisa quebrou. Também fora
Castelos aéreos na linha do horizonte
There is a light that never goes out
No banco de trás, três sonhos.
No céu, Chagal de nuvem.
Na contramão, rumo ao reino das coisas não ditas
Mas que são.
Rosa dos ventos dos meus afetos, aponta para o tempo.

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Antes

Tua matéria escura, negada
Meu mergulho sempre raso
mãos se encontram. Acidental.
Um segundo, a esperança suspensa. Água-viva.
Se esvazia, linda. dolorosa.

Nesse jogo de adivinhar você sempre erra o paradeiro da minha vontade.

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

La maison de mon rêve

Do antes eu não me lembro. Só sei que eu corria e chovia muito. Sem sentido.
Então eu cai de uma forma impossível numa escadaria de degraus largos e você me abraçou pela costas, de joelhos. Puxou minha cabeça para trás. Seus olhos e os meus, mas eu não os reconhecia. Esticou o corpo para que sua boca alcançasse a minha, colando o pescoço no meu nariz pequeno. Foi aí que eu lembrei de você, que só me toca assim enquanto durmo. Depois me disse alguma coisa que eu não consegui ouvir, pois só prestava atenção na água que pingava do seus cabelos e escorria no meu rosto como pequenas lágrimas. Provavelmente minhas, já que no sonho tudo sou eu.
E você sorria esperando qualquer resposta. Eu? Eu queria guardar tudo, mapear seus traços, buscá-los quando estivesse novamente em vigília.

Te perco de vista. Meu joelho sangra e me dilui na água num suspiro vermelho escuro.


quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Apócrifos, das cartas não enviadas: O irmão bastardo de Ismael

Eu não sei exatamente se foi nesse dia que eu passei a ter medo de você ou se, pela primeira vez, entendi a dimensão do que você sentia.Talvez eu apenas não lembre. Tudo que sei é que o caminho de volta para casa estava assustadoramente estranho, como só consegue ser aos domingos. E só em alguns.

Não conseguia entender porquê eu.

Não conseguia entender porque precisava ser assim, tão dolorido, tão cheio de símbolos e metáforas que, de fato, nunca nos levariam a lugar algum. Se você traçava o mapa que te levaria até a minha casa, eu nunca estava lá. Se nos cruzávamos na esquina e você me seguisse até o portão, jamais te deixava entrar. Se, por um acaso, colocaste um grande envelope cor de terra em minha caixa de correio, a chuva o molhou e eu não consegui ler o que você tentou me dizer de tantas outras formas.

A verdade é que só quando outros falaram por você é que eu entendi que o que você queria me dizer não era tão difícil assim de ser compreendido. Não se eu estivesse disposta.


Quinze minutos para a pior hora da semana. Quinze minutos para a tarde do domingo se tingir de tons doloridos e tocarem os sinos da igreja chamando as pessoas para a última missa da semana. Ou a primeira. É o que mais dói no domingo: suas máscaras milenares nunca nos deixam saber se ele é o fim ou mais um início.

Antes fosse fim mas você já me esperava em frente ao portão para ouvir "não" mais uma vez. E ouviu. Encostou-se no muro como se quisesse colar os pulmões nas pedras geladas.


- Vai chover.

- É, eu sei. Por isso tenho que entrar, tá certo? Tenho muita coisa pra estudar e ainda quero assistir esse filme que aluguei.

- Mas não precisa chover para você entrar.

- E não precisa chover para você insistir em entrar comigo.


Aí você se calava, resignado. Como um cão que recebe um não. E falando nisso, te vi semana passada. Vagando por aí como um vira-lata sem rumo. Não sabia mesmo aonde queria chegar. E não me reconheceu.

Foi aí que, finalmente, eu abri a porta e disse: Seja bem vindo de volta.

quarta-feira, 20 de maio de 2009

Apócrifo, das cartas não enviadas: A aprendizagem solitária do não-pedir

Fever 103

S.,





Se decidi te escrever, acredite, é por pensar que isso você entenderia melhor do que ninguém:



Ontem meu corpo dormiu mas minha alma ficou de vigília. Um fluxo incontrolável invadiu os meus sonhos e todos eles me diziam a mesma coisa. Acordei, e desde então a mesma ideia ocupa a minha cabeça e será assim o resto do dia, até que eu volte a dormir e recupere a paz que esqueci no reino de Morpheus.

Que coisa é essa me inquieta? Que coisa é essa que é súplica do corpo e da alma?Que coisa é essa tão inexorável que devora meus adjetivos, meus advérbios, e me faz falar pela boca dos outros, S.? O que é isso?



O que será que me dá

Que me bole por dentro, será que me dá

Que brota à flor da pele, será que me dá

E que me sobe às faces e me faz corar

E que me salta aos olhos a me atraiçoar

E que me aperta o peito e me faz confessar

O que não tem mais jeito de dissimular

E que nem é direito ninguém recusar

E que me faz mendigo, me faz suplicar

O que não tem medida, nem nunca terá

O que não tem remédio, nem nunca terá

O que não tem receita.





Serei só eu? Será capaz de caber tanta coisa num corpo-alma só? É só o meu sono que é

perturbado com tanta vontade, com tanto desejo de não sei ao certo que? É só em mim que corre esse rio de desvario?Essa febre?



Darling, all night

I have been flickering, off, on, off, on.

The sheets grow heavy as a lecher's kiss.



Por vezes tenho vontade que um raio me parta em duas,como sou em verdade, por dentro. E que uma se vá, com sua febre insana, com seu desejo caótico, com sua vontade tumultuada, como a superficie da água quando ferida por uma pedra. E que a outra permaneça, serena, com o coração batendo calmo, com o corpo descansado après les petite mort.



I am too pure for you or anyone.

Your body

Hurts me as the world hurts

God. I am a lantern --- My head a moon

Of Japanese paper, my gold beaten skin

Infinitely delicate and infinitely expensive.




Me diz, então, você, qual o remédio para baixar minha febre? Qual o caminho para encontrar minha paz, esgotar esse pulsar incessante que é estar vivo? Oh, my lord, i've been waiting, like Danae, for your answer.For your gold rain of eternity.



Does not my heat astound you. And my light.

All by myself I am a huge camellia

Glowing and coming and going, flush on flush.

I think I am going up,

I think I may rise ---

The beads of hot metal fly, and I, love, I

Am a pure acetylene

Virgin

Attended by roses,

By kisses, by cherubim,

By whatever these pink things mean.

Not you, nor him.



Silêncio. Silencio.



Image: Danae, by Klimt

Pagan poetry: O que será (à flor da pele), By Chico Buarque. Fever 103º, by Sylvia Plath.

Fever 103

terça-feira, 12 de maio de 2009

Um post grande sobre coisas pequenininhas

Eu acho que certas coisas são mais simples de falar, pra mim. E, por acaso,são as coisas mais complicadas de entender e domar. Inclusive, que mania péssima essa de querer "domar" as coisas. Querer delimitar, amarrar, segurar o que, na verdade, é inevitável que se escorra entre os dedos. Hoje eu vi uma amiga dizendo que se ela fosse uma fazenda não teria cercas. Feliz dela, que pode ver o desejo cavalgando livre por aí. Querer alguma coisa é estar vivo. Querer muito uma coisa é ainda estar vivo.

Mas voltando as coisas que parecem ser mais fáceis de falar. Por exemplo: para mim é fácil e claro falar de "amor". Parece que é um assunto que não se esgota em mim. Acho que escreveria facilmente aqueles livrinhos "Sabrina" e "Julia". O problema, provavelmente, é que eles seriam todos iguais. Acho que muito cinema pode fazer mal a cabeça das pessoas. Não falo nem de "príncipes encantados" e "cavalos brancos". Vai que eles existem? Quem sou eu para dizer o contrário? Só que eu sempre achei que os finais felizes esquecem que existiu um "meio", e que esse pode ter sido muito dolorido. O final feliz não vai apagar o que as pessoas viveram antes dele, as feridas que carregam. Esse é o grande perigo da ideia do final feliz: ele não vai resolver toda sua vida. Ele não vai apagar seus medos e suas dores. Ele não vai saciar todas as suas vontades. Ao mesmo tempo, pode ser uma vantagem ótima: é só pensar que tudo o que foi vivido pode ser usado como experiência a seu favor.

Assim, quando digo que é relativamente fácil falar de "amor", creio que seja por ter aprendido a sonhar e desejar coisas muito concretas e até relativamente simples. Acho que nunca fui de excluir do "pacote" os defeitos do outro. Nunca esperei alguém pleno e cheio de respostas. Para falar a verdade, essa ideia até me desagrada. Nunca esperei alguém sem passado (por mais que esse possa me deixar morrendo de medo, às vezes) ou sem possibilidades futuras de querer partir para outras coisas (o que pode me assustar mil vezes mais). Acho que o tempo foi me ensinando que não podemos sonhar pelos outros, não podemos incluí-los nos nossos sonhos sem perguntar antes se eles querem estar ali. É assustador? Sim. Morro de medo? Sim. Se entregar nem sempre é uma coisa fácil. Mas é preciso enfrentar o fato de que viver as coisas, uma de cada vez, e deixá-las ir é inevitável. O destino das pessoas não é estático. Não é porque ele cruzou com o seu que ele vai ficar ali para todo sempre, amem. É que nem jogo de pinball (ok, a comparação não foi das melhores).

Certa vez um rapaz (que muito quero bem, ele nem tem ideia de quanto) me disse que não conseguia viver o agora sem pensar no "por vir". Em outro momento ele disse que não fazia planos "afetivos", já que não podia prever para onde rumaria a vida das outras pessoas. Eu não sei exatamente como ele resolveu esse problema. Mas eu, eu faço planos afetivos. Pra mim e alguém que eu não sei quem é, ainda. Eu imagino lugares, viagens, livros para dividir. Eu vivo lutando contra essa vontade de sonhar com essas coisas. No fundo, por mais que eu seja pragmática e "pé no chão", eu tenho vontade de casa na árvore e café da manhã para dois. E não acho mais justo me punir por isso. Meu sonho é uma fazenda sem cercas. Se um dia alguém quiser entrar nele, modificá-lo, emprestar suas cores e quiser sugerir o nome da filha que eu secretamente quero ter, porque não? Absurdo seria esperar alguém que se encaixasse direitinho no personagem que eu criei um dia. Acho que isso já passou. Era mais seguro, mas passou.

Hoje eu sonho diferente, e morro de medo de não poder dividir com ninguém o que eu sonhei. Mas estou aprendendo, todo dia, que liberdade pode ser uma prova de amor superior e descobrindo o meu potencial de não desistir de mim nem dos outros. Se apaixonar todo dia por um alguém diferente, mas que é a mesma pessoa e descobrir o quanto sou capaz de lutar para que algo dê certo. É a primeira vez que não desisto. É a primeira vez que tento ver alguém antes de depois de qualquer final feliz, e sorrio.


Pode não ser a resposta para você que está aí me lendo. Mas tem sido pra mim, que vejo um sorriso e um aceno na janela do ônibus, todo dia.


"Porque cada início é só continuação,
e o livro das ocorrências está sempre aberto ao meio."
Wislawa Szymborska








Alexi Murdoch - Song for you

sexta-feira, 8 de maio de 2009

"Apócrifo, das cartas não enviadas: E o Sertão virou mar"


Amor meu,


Sinto muito pela igrejinha e pelo museu. Sinto muito pela sua roseira, pelas roupas que estavam no varal, pelo bolo que não cresceu como você queria. Sinto ainda pelo seu caderno de versos, encharcado. Quem sabe com tudo borrado você não entende o que estava escrito? Por favor, não fique muito tempo molhado. Tenho medo que você adoeça e eu não esteja por perto pra te fazer um chá. Te botar no colo. Assanhar seu cabelo. Fazer o que de fato nunca passou de vontade.


Olha, deixa eu te dizer, você tem sorte de ter alguém que quer cuidar de você. É que encontrar gente que quer outras coisas, boas e ruins, é até fácil. Mas cuidar, cuidar mesmo, não. Carinho demais guardado é perigoso, que nem essa chuva.


Eu tento construir diques para conter a força torrencial do afeto em mim. É difícil, rapaz. É difícil ver tanto amor que tem pra ser dado apodrecendo aqui dentro. Por medo. Por não ver leito por onde possa correr tanta água. Eu não peço muito, entenda. O problema é que geralmente o pouco que eu peço é justamente o que não pode ser dado pelo outro. Eu quero só um bilhete, um doce. Quero só a segurança de não ser um “tanto faz”. E por já ter me doado tanto a quem não merecia, hoje eu seguro meu amor em nuvens pesadas, prontas pra chover. O problema não é chover. O problema é chover tudo num canto só. O problema é chover e não ver evaporar, não ver retornar ao céu tudo que já foi nascente, já foi rio, já desembocou no mar.


Mas não tem céu que agüente, meu bem. Um dia há de chover. E meu amor quando chove faz estrago, arrasta tudo o que vê pela frente. Arranca cerca, derruba muro, faz sangrar açude. Depois se aquieta, contemplando os destroços. Então desculpe se eu alaguei sua cidade, se molhei seus cadarços. Só queria que soubesse: foi inevitável.





imagem: Lara Jade

domingo, 23 de novembro de 2008

Auto-retratos por um terceiros


David-ho


"Tenho meditado e sofrido
Irmanada com esse corpo
E seu aquático jazigo
Pensando
Que se a mim não deram
Esplêndida beleza
Deram-me a garganta
Esplandecida: a palavra de ouro
A canção imantada
O sumarento gozo de cantar
Iluminada, ungida.
E te assustas do meu canto.
Tendo-me a mim
Preexistida e exata
Apenas tu, Dionísio, é que recusas
Ariana suspensa nas tuas águas."


Hilda Hilst

sábado, 22 de novembro de 2008

Poema do silêncio


imagem: David Ho


"Sim, foi por mim que gritei.
Declamei,
Atirei frases em volta.
Cego de angústia e de revolta.

Foi em meu nome que fiz,
A carvão, a sangue, a giz,
Sátiras e epigramas nas paredes
Que não vi serem necessárias e vós vedes.

Foi quando compreendi
Que nada me dariam do infinito que pedi,
-Que ergui mais alto o meu grito
E pedi mais infinito!

Eu, o meu eu rico de baixas e grandezas,
Eis a razão das épi trági-cómicas empresas
Que, sem rumo,
Levantei com sarcasmo, sonho, fumo...

O que buscava
Era, como qualquer, ter o que desejava.
Febres de Mais. ânsias de Altura e Abismo,
Tinham raízes banalíssimas de egoísmo.

Que só por me ser vedado
Sair deste meu ser formal e condenado,
Erigi contra os céus o meu imenso Engano
De tentar o ultra-humano, eu que sou tão humano!

Senhor meu Deus em que não creio!
Nu a teus pés, abro o meu seio
Procurei fugir de mim,
Mas sei que sou meu exclusivo fim.

Sofro, assim, pelo que sou,
Sofro por este chão que aos pés se me pegou,
Sofro por não poder fugir.
Sofro por ter prazer em me acusar e me exibir!

Senhor meu Deus em que não creio, porque és minha criação!
(Deus, para mim, sou eu chegado à perfeição...)
Senhor dá-me o poder de estar calado,
Quieto, maniatado, iluminado.

Se os gestos e as palavras que sonhei,
Nunca os usei nem usarei,
Se nada do que levo a efeito vale,
Que eu me não mova! que eu não fale!

Ah! também sei que, trabalhando só por mim,
Era por um de nós. E assim,
Neste meu vão assalto a nem sei que felicidade,
Lutava um homem pela humanidade.

Mas o meu sonho megalómano é maior
Do que a própria imensa dor
De compreender como é egoísta
A minha máxima conquista...

Senhor! que nunca mais meus versos ávidos e impuros
Me rasguem! e meus lábios cerrarão como dois muros,
E o meu Silêncio, como incenso, atingir-te-á,
E sobre mim de novo descerá...

Sim, descerá da tua mão compadecida,
Meu Deus em que não creio! e porá fim à minha vida.
E uma terra sem flor e uma pedra sem nome
Saciarão a minha fome. "



José Régio

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

Enfim, ela também sabia o que era sentir isso...




"Tudo tem que ser bem de leve para eu não me assustar e não assustar os que amo. Pedem-me pouco, pedem-me quase nada. O terrível é que eu tenho muito para dar e tenho que engolir esse muito e ainda por cima dizer com delicadeza : obrigada por receberem de mim um pouquinho de mim."

C.L.

sexta-feira, 14 de novembro de 2008

Apócrifo, das cartas não enviadas: a vontade de São Pedro



Lullaby Boy,

"I shut my eyes and all the world drops dead;
I lift my lids and all is born again.
(I think I made you up inside my head.)"
Sylvia Plath




Estou sentada na varanda, em trajes de banho, esperando a chuva cair. Quero livrar, ao menos por hoje, os meus cabelos do cloro da água encanada. Talvez, da rotina também.

Mas para isso é preciso paciência. Deveras.Acontece que essas pequenas coisas que têm o poder de lavar a alma são breves demais e qualquer distração pode dissipar nuvens,exibindo o gordo e velho sol. Então espero.



Os outros, bem verdade, não ajudam. Meu irmão já me disse para não esperar, que hoje não chove mais. Quem garante? Não, já não acredito em previsões do tempo, em trânsitos astrológicos ou em alarmes de incêndio. Num mundo ao avesso só é possível acreditar na própria vontade, transformando qualquer previsão em absurdo.

Assim, meu bem, se hoje me dissessem que eu encontraria você por alguma das ruas dessa cidade, colocaria o meu melhor vestido e sairia andando até que 'a luz dos olhos meus e a luz dos olhos teus' resolvessem se encontrar. E assim vingariam todos os clichês de todos os poetas de todos os tempos. E Peixes entraria na sétima casa, com fortes pancadas de chuva na área escura do mapa e com algum Nero pos-moderno tocando fogo em toda a cidade. Mas não importaria.

É, essa previsão seria magnifica, apesar de saber que você está a muitos quilômetros daqui.


Agora eu tenho que ir, começou a neblinar.

Ao menos a certeza de que estamos sob o mesmo céu me consola. E quem sabe?




quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Apócrifos, das cartas não enviadas: A moeda ou Das mulheres de meu Pai


D.Q,




"Se o mar tem o coral
A estrela, o caramujo
Um galeão no lodo
Jogada num quintal
Enxuta, a concha guarda o mar
No seu estojo .
Ai, meu amor para sempre
Nunca me conceda descansar.
Pai, o tempo vai virar
Meu pai, deixa me carregar o vento.
Vento.Vento. Vento."




Homem, que é de ti? De ti, que entre os treze optou por abandonar a calma. Quando nasceu, certamente e ainda sob o signo de um Deus antigo (ao menos em testamento), tua mãe te marcou com o sinal dos escolhidos. A ti e a tuas irmãs. Te marcou com a marca dela. Feminina. O teu pai, com todo o cuidado que se exige com um homem assim, te cobriu de cinzas para que não vissem o seu sinal. E você cresceu.
Seguiu teu caminho até encontrar uma fagulha. Ela te pôs fogo, não foi?
Ela queimou por quinze anos e virou brasa apagada. Sobrou pra mim: herdei a marca de tuas mulheres, meu pai. Você, querendo me poupar do destino dos que têm o silêncio como língua-mãe, me cobriu de cinzas e foi-se pelo mundo, semeando ventos e colhendo tempestades.
Eu só queria te dizer que hoje eu vi quando o vento soprou e afastou suas cinzas.
Eu só queria te dizer que eu também, pai, eu também.


quinta-feira, 30 de outubro de 2008

Apócrifos, das cartas não enviadas: O Pomo de Adão

Porque quem gosta de maçã
irá gostar de todas, porque todas são iguais.



RR,


Humanos não operam milagres. Se o fizessem, provavelmente o fariam só para si e já não haveria nenhuma santidade nisso. Estou aprendendo a não esperar de todos mais do que eles podem fazer por si próprios. Estou aprendendo, principalmente, a não esperar. Nem o mais vil dos sentimentos, simplesmente não perca seu tempo.
Não espere que o escutem. Se o escutarem, não espere que entendam. Se entenderem, não espere que façam algo a respeito. Se o fizerem: não espere que seja o melhor a se fazer.
Não espere, ainda, que falem. Se falarem, não espere que seja verdade. Se for, não espere que seja a sua. Cuide da sua vida, homem!
A lei de Deus nada diz sobre entender ao próximo. Ame-o e só. Ame-o a distância. Ame-o sem escutá-lo. Ame-o sem interessar-se por ele ou,principalmente, por sua mulher. Ame-o sem conhecê-lo, de preferência.
Os seres humanos são criaturas naturalmente solitárias. Isso pode ser mais engraçado do que pensas: o barro de que fomos feitos era só um e na arca lá se foram um urso e uma ursa, um pato e uma pata, um galo e uma galinha e um homem e uma costela. Um homem e uma costela!
Para além de gêneros, meu bem, imagine que tragicômico um homem cuja sina é viver para sempre incompleto, buscando no outro um pedaço de si. Antes só e completo? E a quem ele culparia pela maçã proibida? O homem jamais engoliu a inocência perdida. Hoje crescem em sua garganta grande bosques de macieiras, por onde se perdem as palavras.

Então, não espere por um milagre. Todos nós, pedaços de homens, procuramos o corpo primeiro.
Não acredite em milagres.


E não acredite em mim, também, que tenho mais esperança que você e tento fingir desilusões.

terça-feira, 7 de outubro de 2008


Le Message , de ISABELLE PLANTÉ


"O meu mundo não é como o dos outros, quero demais, exijo demais; há em mim uma sede de infinito, uma angústia constante que eu nem mesma compreendo, pois estou longe de ser uma pessoa; sou antes uma exaltada, com uma alma intensa, violenta, atormentada, uma alma que não se sente bem onde está, que tem saudade… sei lá de quê!"


Florbela Espanca

A Torre de Babel, por Pieter Brueghel

Eu sou um aquário. Todos somos aquários. Os peixes saltam para fora de mim e debatem-se no chão. Através de suas águas turvas os outros me dizem: Oh, que balé maravilhoso!
Mas para mim não há balé: é só mais um peixe que se debate, asfixia e morre, sem cumprir o papel que lhe foi destinado. Sem dizer o que eu exigi que dissesse. Eles, peixes-palavras, não me obedecem. Mas os amo e não quero que morram. Então os deixo aqui dentro, debatendo-se, reproduzindo-se e me dando a constante sensação de que há algo preso em minha garganta.

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

Apócrifos, das cartas não enviadas: São e Salvo.

rhb,


"Drying up in conversation,
You will be the one who cannot talk
All your insides fall to pieces,
You just sit there wishing you could still make love
They're the ones who'll hate you
When you think you've got the world all sussed out
They're the ones who'll spit at you,
You will be the one screaming out."


Eu te perguntaria qual o seu medo se já não soubesse do seu medo de dar respostas. O que aconteceu? Você cresceu, meu bem. Você cresceu. Já não cabe nos esconderijos de antes. Pois se antes atrás da porta era o lugar mais seguro para se estar, hoje já esperamos atrás de cada porta encontrar um homem e atrás de cada homem encontrar um medo, enclausurado no entrecortinas.

Toda casa é guardada por um cão ou um desejo. Toda casa é impenetrável. Toda casa tem seus segredos, seus quartos proibidos. Mas você possui todas as chaves.Qual o quarto que você nunca ousou abrir?Nem mesmo quando era criança, nem mesmo quando aquele era o melhor lugar para esconder-se pois todos o temiam. Não te assustes. Não há nada de mais lá. Pode ser um quarto de guardar entulhos, suas roupas de recem-nascido. Ou deusas ancestrais. Quem sabe todos os seus mortos não estão lá, tomando um chá?

Então saia, vá para rua assistir os ônibus que não param para você. Esconda-se nos cinemas, dentro de copos transbordantes, no sexo rápido e nas músicas tristes. Fuja, esconda-se sob o lençol de estranhos, nas piadas forçadas, nos discursos acadêmicos. Depois sinta saudades de casa.


Corra, chore, bata na mancha e grite: 31, ninguém. Pronto, estará são e salvo. Mas não poderá evitar de ser o pegue na próxima rodada. É o preço que se paga por brincar sozinho de esconde-esconde. Abra a porta, deite na cama e encare o teto. Passe o domingo vendo sua pedra crescer. Quem sabe um dia você consiga esconder-se sob ela.


Enquanto isso, com o braço colado na parede, eu fecho os olhos e não choro. Conto até o infinito esperando que no final você possa finalmente dizer: "31, salve todos".




domingo, 28 de setembro de 2008

Don't show your face


Franck Juery



elspeth diederix



Andres Serrano



Bea Fremderman




Sandy Edwards











Frank Yamrus



"Ninguém pode articular uma sílaba que não esteja cheia de ternuras e de temores; que não seja em alguma dessas linguagens o nome poderoso de um deus. Falar é incorrer em tautologias. "

Jorge Luis Borges

quinta-feira, 4 de setembro de 2008

A ligação

- Olha, desculpa ligar essa hora. Preciso falar.
Tenho ocupado a noite com o impossível. Nunca durmo uma por inteiro. Tenho forjado irrealidades: um outro mundo com outras pessoas. Um outro mundo que posso controlar plenamente, ou quase. Se os outros barulhos são tão insistentes, não insisto em falar. Minha linguagem é outra. Não, não as palavras. Falo com as mãos, grito com os olhos, sussurro com os erros. Minha risada mora nos meus pés. Há dias espero por algo que não existe. Há dias rezo por pessoas que não sabem quem eu sou. Mas elas, elas impregnam meus dias como fantasmas, têm controle sobre meus horários, atrasam e adiantam meu relógio.
Imagino-as tomando café, lavando roupas, atravessando insônias, chorando em filmes. Há dias que imagino-as ao meu lado, dividindo cômodos de uma casa que não existe, mas tem piso de madeira. Tenho tudo sob controle, exceto uma coisa: não posso evitá-las.Contudo, posso inventá-las do jeito que quero,
quantas eu quiser. Algumas eu realmente não conheço, nunca vi. Outras vi numa parada de ônibus ou na fila do banco. Há ainda aquelas que convivem comigo, mas são tão absurdamente fechadas e misteriosas que é possível inventar-lhes a vida. Enquanto isso, abandono o existente. Deixo as roupas espalhadas pela casa, só como comida pronta.
Porque só é possível amar o que está distante? É tão fácil negligenciar o que já estão aqui, os que já conheço (ou penso conhecer, o que é bem mais provável). Eu só queria te dizer que eu amo alguém que não existe e espalho esse alguém em qualquer face desconhecida. E isso está me matando.
No mais: Quero uma pizza 4 queijos com bastante orégano.
- Forma de pagamento?
- Dinheiro.
- Troco?
- Sim, para 50.
- Se o seu pedido não chegar em 28 minutos a Sra. não precisa pagar. Boa noite e obrigada pela preferência.
- Obrigada.
Depois de comer, apaguei a luz e fechei as cortinas. Não consegui dormir. Passei a noite imaginando como seria a vida daquele desconhecido tão paciente que me ouvira ao telefone. Só com o dia nascendo consegui pegar no sono. Sonhei com um rapaz de rosto cansado, com a cabeça encostada na janela do metrô na volta pra casa.

terça-feira, 19 de agosto de 2008





No filme “Nós que aqui estamos por vós esperamos” o diretor Marcelo Masagão propõe-se a construir um retrato não convencional do séc. XX. Ao colocar em segundo plano a visão de uma historiografia tradicional, na qual os sujeitos que constroem a História são as classes ou as instituições, Masagão deu preferência à micro-história. A análise desenvolve-se a partir da exploração das fontes, envolvendo-se com descrição etnográfica e preocupando-se com uma narrativa literária, contemplando temáticas ligadas ao cotidiano de personagens, geralmente figuras anônimas que passariam despercebidas na multidão.
A estrutura deste documentário é semelhante a um “mosaico de imagens”, onde fotografias e vídeos são justapostos em seqüências fragmentadas. Não por acaso. O Séc. XX se configurou intrincado, contraditório e difícil de se compreender, onde as pressões estruturais se chocavam com as decisões individuais, onde a modernidade e o anseio por velocidade contrastavam com a miséria e o atraso de países subdesenvolvidos e explorados.

Entre as peças escolhidas para compor este “mosaico”, algumas merecem atenção especial.
A guerra e os homens comuns

O filme consegue inserir com maestria o contexto individual de alguns personagens no contexto das duas grandes guerras, criando paralelos entre seus cotidianos e os acontecimentos mundiais mostrando, por exemplo, como gerações de uma mesma família participaram dos vários conflitos bélicos do Séc. XX. Trata dos transtornos psicológicos pós-guerra, da solidão que os fatos acabavam por submeter às pessoas, das vidas que se reorganizavam em torno da guerra (mas não eram totalmente decididas por ela), das ideologias que surgiam e de outras que se extinguiram em um curto espaço de tempo.
Entretanto, é na forma sutil de mostrar como vida e morte tornaram-se banais nesse período que o documentário consegue nos chocar. É justamente a morte que interliga todas as peças do “mosaico” e nos faz lembrar que nós, assim como aqueles personagens de um século que já acabou, um dia teremos o mesmo fim. A morte é usada como elemento chave para a conexão de todas as histórias. É ela que iguala os ricos e miseráveis, orientais e ocidentais, mulheres e homens, ditadores e anarquistas.
O equilíbrio das abordagens

Marcelo Masagão foi muito sóbrio na escolha dos temas e personagens de seu documentário. O retrato histórico por ele construído não foi exclusivamente econômico, masculino, europeu, burguês ou proletário. Emancipação feminina, a invenção e consolidação do cinema, o Oriente e seus pequenos personagens encantadores, as artes plásticas, a dança, a psicanálise... Todos essas peças foram usadas pelo diretor para driblar o paradigma do determinismo econômico, mostrando uma nova ótica que contraria àquela de Karl Marx: “A história da sociedade até aos nossos dias é a história da luta de classes.” Para Masagão a história da sociedade não é só a da luta de classes: é também a história dos conflitos internos, dos afetos, da solidão.
“Nós que aqui estamos por vós esperamos” não se trata apenas de um filme que reconstrói de uma forma pós-moderna o breve Séc. XX. Os 73 minutos falam, sobretudo, de uma humanidade possível em qualquer tempo e espaço. De homens e mulheres que trabalharam, lutaram, amaram, odiaram, sofreram, contaram histórias, riram e agora estão lá, na sombra discreta do cemitério, esperam de nós.

segunda-feira, 11 de agosto de 2008

Apócrifos, Das cartas não enviadas: 19

F.A. ,

Pois é, mais um ano. Algo estranho aconteceu: foi a primeira vez que não me sentia bem por ser meu aniversário. Por algum motivo sinto que esse pode ser o primeiro de muitos assim, mas desejo que eu só volte a sentir algo como hoje aos 30, e nunca mais. Sempre fui, de certa forma, alguém que celebra secretamente a vida. Não existia mazela que me derrubasse a única certeza, a concreta, unipotente. Mas ontem eu descobri: não existe nada mais frágil que uma certeza. Dúvidas, sim, podem ser unipotentes. Contudo, essa constatação que te confesso, no meio da madrugada e ouvindo os tiros na tv ligada que nem assisto mas me espanta o medo do subjetivo, não abalou por completo o sentimento (que chamava equivocadamente de certeza) de "maravilhamento" com o existir: "Que Deus perfeito é esse que me permite duvidar de todas as coisas?!" E derrepente me encho novamente 'da matéria de que sou feita'. Nessa madrugada insone conheci o conceito de "Eterno Retorno". O Nietzsche é um filho das trevas abençoado pelo divino. Que maldadade e gentileza a dele me colocar num dilema desses logo no primeiro dia dessa nova volta ao redor do sol:

"E se um dia ou uma noite um demônio se esgueirasse em tua mais solitária solidão e te dissesse: 'Esta vida, assim como tu vives agora e como a viveste, terás de vivê-la ainda uma vez e ainda inúmeras vezes: e não haverá nela nada de novo, cada dor e cada prazer e cada pensamento e suspiro e tudo o que há de indivisivelmente pequeno e de grande em tua vida há de te retornar, e tudo na mesma ordem e sequência - e do mesmo modo esta aranha e este luar entre as árvores, e do mesmo modo este instante e eu próprio. A eterna ampulheta da existência será sempre virada outra vez - e tu com ela, poeirinha da poeira!'. Não te lançarias ao chão e rangerias os dentes e amaldiçoarias o demônio que te falasses assim? Ou viveste alguma vez um instante descomunal, em que lhe responderías: "Tu és um Deus e nunca ouvi nada mais divino!" Se esse pensamento adquirisse poder sobre ti, assim como tu és, ele te transformaria e talvez te triturasse: a pergunta diante de tudo e de cada coisa: "Quero isto ainda uma vez e inúmeras vezes?" pesaria como o mais pesado dos pesos sobre o teu agir! Ou, então, como terias de ficar de bem contigo e mesmo com a vida, para não desejar nada mais do que essa última, eterna confirmação e chancela?"

Eu ainda não sei, ao certo, se sou tão plena a ponto de conseguir repetir o tal "maravilhamento"por toda a eternidade, mas a resposta parece me vir pela boca do mesmo carrasco:

"Não querer nada de diferente do que é, nem no futuro, nem no passado, nem por toda a eternidade. Não só suportar o que é necessário, mas amá-lo".

"Quero cada vez mais aprender a ver como belo aquilo que é necessário nas coisas: - assim me tornarei um daqueles que fazem belas as coisas."


Ainda não sei nada sobre isso. Contudo, outras coisas já descobri. Por exemplo: descobri que a minha primeira tarefa neste novo ano é uma que tive há algumas voltas atrás: Preciso aprender a falar. Preciso pôr fim à minha vida infantil. E no inicio vou gaguejar e trocar as palavras. Vou me apropriar das imagens, fazer mímica, desenhar. Sinto que de alguma forma já passei por isso antes e talvez o Nietzche não esteja equivocado: Estou eternamente retornando, dando voltas ao redor de um Sol. Mas nunca será da mesma forma. Bom ou Ruim, só será diferente.

quinta-feira, 24 de julho de 2008

Two way monologue

- Pois antes de tudo vem a vontade, cara. Vontade é uma coisa importante, apesar de não parecer.

E mesmo que ela me dissesse isso com firmeza eu não conseguia acreditar que ela estava concentrada em mim. O resto do mundo parecia não existir enquanto ela cortava as unhas dos pés.

- Acho que tudo isso é só preguiça sua de virar um homem de verdade. Me passe aí a acetona.

Como me irritava que ela não ouvisse. É que suas respostas nunca eram pensadas para me ajudar, mas para mostrar como ela era inteligente e muito mais madura, apesar de dois anos mais nova que eu. Glória era o tipo de mulher que nunca reconhecia um erro: era o mundo inteiro que conspirava contra ela.

- Não é tão simples assim não, Glorinha. Você sabe que eu estou cansado de estar há tanto tempo vivendo nesse pesadelo. Você sabe que eu quero sair disso. Sabe mais do que ninguém.

- Eu sei, eu sei. Mas é preciso ser paciente, Alberto. Paciência é a maior virtude que um homem pode possuir.

Às vezes eu chegava a pensar que ela tinha escondido em algum canto daquela cabecinha despenteada um livro chamado: 100 frases prontas para os problemas de Alberto. Era incrível como Gloria sempre conseguia encaixar as mesmas frases em contextos totalmente diferentes.


- Alem do mais você não se cuida. Desde quando você não vai à academia? Acho um absurdo gastar um monte de dinheiro com mensalidade para ir um ou dois dias. Sem falar nessa sua péssima mania de comer na frente da TV. Você sabia que, eu li numa revista, Comer na frente da TV reduz a sensação de saciedade em 30%? É por isso que você tem sempre que encher o prato duas vezes.

- E o que é que isso tem a ver com esse vazio no meu peito, Glória, me diz! É incrível como você sempre acha uma brecha para me criticar quando eu estou é precisando de sua ajuda!

- Me surpreende é que um homem tão culto como você, esse grande entendedor da literatura universal e desses filmes sem pé nem cabeça, não consiga aprumar a própria vida.

Dizia isso enquanto lixava as unhas. E o fazia com uma concentração de quem faz cálculos de matemática. Eu gostava daquele jeito que ela tinha de espremer os olhinhos, enchendo os cantos de pequenas rugas.

- Mais surpreendente ainda é um homem como eu continuar insistindo em conversar com uma pessoa como você: Cabeça dura. Você não absorve nada do que eu digo, Maria da Glória, nadinha!

- Ah, preguiça de você, Alberto. Me diz: Rebu ou Gabriela?

E essa foi a primeira vez que ela olhou pra mim durante todo aquele tempo. Tinha olhos infantis e a cabeça pendia um pouco para o lado enquanto ela segurava um vidro de esmalte em cada mão. Pensei em ser grosseiro e perguntar porque ela não escolhia sozinha já que ela era uma mulher tão segura e decidida. Mas tinha algo de mim naquela Glória, alguém que eu era há alguns anos atrás. Alguém que eu não queria perder de vista e por isso insistia tanto em reencontrá-lo nesses monólogos dela. Mais meus do que dela. Além do mais, eu já sabia: ela justificaria a sua indecisão pondo toda a culpa em seu ascendente em libra e sua lua em virgem. O que aquela menina ainda não sabia era que seu sol era em Alberto.

- Esse mais aberto, respondi, afagando-lhe a cabeça.

segunda-feira, 7 de julho de 2008

3:33

I.



O silêncio estendia suas garras, arranhava a pouca mobília, deformava-lhe, dava-lhe formas diversas. Poderiam ouvir os sons, o estalar da madeira da mesa, o tilintar das louças, eternamente estendidas no escorredor de pratos, já que o novo apartamento ainda não possuía armários. Poderiam ouvir os passos cansados assombrando o corredor, o arrastar de uma cadeira vazia, o barulho das chaves girando em eternas voltas na fechadura da porta que não se abria. Poderiam ouvir o zumbido de uma motocicleta rasgar a imobilidade da madrugada. Um galo adiantado profetizando uma manhã que nunca chegava. Poderiam. Mas não estavam lá. Nenhum deles.

Chegara cansado do plantão. Aquela semana pareceu um século. Contudo, a dor nas pernas e as olheiras não conseguiam esconder a ansiedade que se apropriara dele desde que tomara a decisão. Precisaria de coragem. Talvez precisasse de vinho mais que de coragem. Não ligaria a TV, não ouviria música, não telefonaria para casa. Era preciso estar concentrado. Era preciso evitar qualquer possibilidade de distração, qualquer possibilidade de desistência.

Sábado, 28 de junho. O ponteiro das horas não se movia do três. “Feliz aniversário”, pensou. Abriu as portas da varanda. As luzes do Recife pareciam milhares velinhas perfurando um bolo escuro. “Feliz aniversário”, gritou ele. A resposta não demoraria a chegar.
Caminhou até o quarto com as pernas trêmulas. Encostou a cama na parede, deixando livre o centro. Desligou o celular, tirou o fone do gancho. Deu duas voltas seguras na fechadura da porta do quarto e escondeu a chave num canto impossível de encontrá-la no escuro. Fechou a janela e apagou a luz.

sexta-feira, 4 de julho de 2008

À mesa

É para ti,oh cavaleiro inexistente, que eu ponho a mesa do jantar. Vem sentar-te ao meu lado, deixa-me ver a tua invisível fome. Te encho o copo do que não foi até transbordar esse líquido vermelho de palavras mudas, para saciar a tua falta de sede.

(falta algo aqui nesse espaço em branco. Talvez as coisas que eu ainda não consigo entender. O comer sem reclamar.)


Espera, não te levantas ainda. Falta a sobremesa depois da refeição indigesta. Tua educação palaciana não é de recusas. Mas serena, pois essa parte é doce e já se aproxima o fim. Te encho o prato de meus silêncios, de luas e luas sobre essa terra e te sacias. Monta em teu cavalo e seguido do teu fiel escudeiro vais embora.

Tendo a certeza de que amanhã vais voltar.

Ou será a festa das moscas.

Pôr-do-sol no meio-céu

Os alvos demônios do meio-dia, foram eles. Invadiram-me a cabeça, fazem festa. Mas o salão, o salão permanece vazio. A girar com a vertigem dos que brincam de roda sozinhos e estão sempre, sempre a ouvir a música. A música ao longe.
Foram eles.
Reviraram minhas gavetas.
Tricaram meus espelhos.

Materializam meus rascunhos.

quarta-feira, 2 de abril de 2008

Guardo minhas palavras.

"Não deis aos cães as coisas santas, nem deiteis aos porcos as vossas pérolas, não aconteça que as pisem com os pés e, voltando-se, vos despedacem."(Mateus 7 :6)

segunda-feira, 24 de dezembro de 2007

Espaços intradigitais vazios
ausência de outras mãos

A morfologia da solidão fez-se:

quatro espaços vazios em cada mão e, ainda que pares, ímpares.


Alianças adornam o dedo
nunca os espaços vazios
(seria mesmo um sinal de evolução ter uma lacuna não preenchida a mais?)

Ainda assim, contra o que se espera dos homens, foram-me dadas duas mãos



Para que eu não me esqueça que é sem volta.



Imagem: David Ho

sexta-feira, 23 de novembro de 2007

Apócrifos, Das cartas não enviadas: Taxi

30 de abril de 2007.





Lá se foi você. (Denovo). Dobrou a esquina e seguiu num rumo que já não sei mais. O que sei é que tem areia entre meus dedos e esse sentimento tão raro, que não sabe ser escasso e que não cessa, decidiu fincar os pés aqui dentro de mim.

Único por não saber dizê-lo. Tento comparar, usar figuras de linguagem sempre tão batidas, tento dar nós em fios que sequer consigo segurar entre os dedos. Depois?

Depois continua aqui. Essa coisa imensa e sem nome que penso ser mar, se não fosse também terra firme (ou fofa, onde afundam meus pés). Que eu penso ser mar, se não fosse antes de todas as cores. Que eu penso ser mar, se já não fosse há muito (dentro de mim e maior que eu).

Lá se foi você dobrando a esquina, num carro estranho que tem uma plaquinha brilhante, onde com letras verdes está escrita uma palavra que em algum dialeto muito, muito antigo deve significar "arrancar pedaços".

Apócrifos, das cartas interminadas: Lençóis



e no fim...




Da minha janela posso ver uma nesga de céu laranja. Dizem que noites assim são noites de chuva, mas o vento que sopra é só frio e não me traz uma gota d'agua sequer.
Posso ouvir num ponto distante fora do meu quarto uma televisão ligada, sintonizada num daqueles programas de madrugada, e um silêncio se arrastando entre os casais que dividem a mesma cama. Falta-me o sono.
Me pergunto quantas pessoas estão, como eu agora, olhando o céu laranja que se abre em buracos cor de chumbo quando faltam nuvens.
Meus pés passeiam por entre os lençóis.
Deslumbra-me a pouca luz que cai sobre mim. Será que o céu é laranja porque reflete a luz dos postes? Se for assim, alimento o desejo de uma queda de energia. Só pra descobrir a verdadeira cor do céu. E ver as tais estrelas que a luz esconde.




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Nesses apócrifos colocarei trechos ou cartas inteiras não enviadas. Ou ainda textos não concluídos ou que mereciam a fogueira.



Qualquer Deja Vu é mera vontade do 'ter sido'.

segunda-feira, 1 de outubro de 2007

Das Ilhas e Tardes perdidas.

Pensando bem, se me fizessem aquela velha pergunta "O que você levaria para uma ilha deserta"? Eu responderia: uma Tv que sintonizasse a sessão da tarde. Daria eu a sorte de assistir "O Naufrago" ou "A Lagoa azul" e aprender a sobreviver?

Espero que sim. Ou teria o tédio como causas mortis.

quarta-feira, 26 de setembro de 2007

Sobre as conchas da mão




"Toma o amor guardado entre as conchas da minha mão. Dentro delas ouvi as ondas quebrando-se em pedras e o espetáculo de um pequeno musgo nascido à beira de um raio de sol. Dentro delas, ouvi a terra aninhando sementes e plantas entrelaçando a ponta de suas raízes. Finas raízes tentando sustentar o mundo sob as placas de cimento. As placas de cimento, de onde germinam as casas e crescem as pessoas, entrelaçando a ponta de seus braços e o mais fundo de seus corpos pela noite escura. Dentro delas, ouvi o mundo inteiro tentando ser par...
e ouvi a ponta de tuas asas tocando minhas costas nuas, teu instrumento
de cordas e suspiros profundos. "
Texto: Rita Apoena
Imagem: Minha

sexta-feira, 7 de setembro de 2007

Apócrifos, das cartas interminadas:O sino do ventos.

Fortaleza, 2 de Setembro de 2007.
L.,





Quanto tempo faz? Tanto e tão pouco, (E entre nós ainda se estende um antigo silêncio. Muito antes de nós). É como se dedilhássemos no ar ideias ancestrais, que se misturam e se perdem nas voltas do tempo. quais as minhas? Quais as suas?
Ao mesmo tempo que me perco em ti, te estranho como estranho a todos. Te estanho como se em estranhasse: Em atos simples do "desconhecer". (Não reconheço minha própria letra. Mas minhas mãos são irmãs das tuas).





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Nesses apócrifos colocarei trechos ou cartas inteiras não enviadas. Ou ainda textos não concluídos ou que mereciam a fogueira.


Qualquer Deja Vu é mera vontade do 'ter sido'.

segunda-feira, 3 de setembro de 2007

Banho de Sol

Atravessava o jardim e ia beirar o pequeno portão de ferro. Lá vinha o dia chegando por detrás dos telhados. Doralice a ajeitava no balanço do jardim e colocava seu pequeno chapéu na cabeça com poucos fios de cabelo. Banho de sol. Uma víbora branca subindo a parede. A grama ainda encharcada do orvalho da madrugada, quando as fadas dançavam no jardim.
Fadas, sim. Já era tempo de acreditar nas fadas e nos duendes ou quem qualquer coisa que lhe contassem sobre seres mágicos. Baile de flores duravam a noite inteira e não existia outro motivo para que amanhecessem fechadas.
Doralice veio calçar-lhe as meias claras.
-Ana, não fique olhando assim para o sol. Vai fazer mal à sua vista. Sente direito. Vou buscar seu leite.
Esperou Doralice cruzar a porta da cozinha e tirou as meias. Pés no chão. Ana. Ana e as borboletas. As e as folhas secas. Ana e o cheiro de jambo. O chão coberto de rosa. Ana e o ferrolho do portão. Ana e o chapéu que caiu no caminho. Ana e seu primeiro passeio. Primeiro sozinha naquele novo bairro. Ana e os pés no asfalto. Ana e seu banho de sol. Ana e o carro de seu Jaime que não a viu atravessando a rua. Ana e seus 82 anos. Ana e o gosto de ferro na boca. Ana e o rosto no asfalto. Formiguinhas. Ana. Ana e Aninha.
E naquela noite as flores fizeram um grande baile.

segunda-feira, 20 de agosto de 2007

Um dia acordarás num quarto novo.

"Um dia acordarás num quarto novo
Sem saber como foste para lá
E as vestes que acharás ao pé do leito
De täo estranhas te farão pasmar,
A janela abrirás, devagarinho:
Fará nevoeiro e tu nada verás...
Hás de tocar, a medo, a campainha
E, silenciosa, a porta se abrirá.

E um ser, que nunca viste, em um sorriso
Triste, te abraçará com seu maior carinho
E há de dizer-te para o teu assombro:
- Não te assustes de mim, que sofro há tanto!
Quero chorar - apenas - no teu ombro
E devorar teus olhos, meu amor..."

Hoje eu acordei num quarto novo com uma janela duas vezes maior que a minha. E uma cama de casal ao invés da minha antiga cama de solteiro. A luz que entrava pelas venezianas era duas vezes mais luz e ali ao meu lado estavam 4 travesseiro.Na estante, o Quintana e seu Espelho mágico justificavam a dobradura das coisas.

Hoje o quarto da minha mãe é meu quarto. Me sinto duas vezes mais velha.

sexta-feira, 6 de julho de 2007

Sonhos no varal. Porto das Núvens Julho de 2007.


Com um pouco de calma, quem sabe, é possível ver clareza nas coisas.
Nas coisas claras de Clara, que dança uma valsa entre as roupas estendidas no varal. Uma reverência ao terno velho que já vai ao terceiro ou quarto carnaval e um rodopio majestoso entre o vestido florido e a toalha de mesa.
Pois tudo é Clareza. Até o par de meias encardido do uso ou desuso se faz alvo, contrastando com a cinza do dia e das quartas-feiras.
E Clara, com seus claros e escuros, segue o bloco imaginário despida de fantasias. Entre a multidão de roupas estendidas quer ser a mesma, sem paetês, lantejoulada de breu,
alegoria de tardes inteiras.
Até findar o cordão.


"Angústia, solidão
Um triste adeus em cada mão
Lá vai meu bloco vai
Só desse jeito é que ele sai
Na frente sigo eu
Levo o estandarte de um amor
Do amor que se perdeu num carnaval
Lá vai o bloco e lá vou eu também
Mais uma vez sem ter ninguém
No sábado, domingo, segunda
E terça-feira...
E quarta-feira vem o ano inteiro
É sempre assim
Por isso quando eu passar
Batam palmas pra mim"

terça-feira, 22 de maio de 2007

Seis e vinte.

Se eu costurasse os pedaços desses dias, se eu conseguisse emendar com o fio da sonolência todos esses retalhos talvez eu conseguisse tecer um belo lençol para me cobrir. É que o sol tem brilhado sempre, e sempre existem coisas novas e coisas antigas. E as pessoas vem e vão e algumas (e isso é segredo) flutuam. Outras caem de ônibus.
Mas hoje eu quero ficar na cama. Quero fingir que eu estou dormindo só para ouvir quietinha o dia acontecendo:
O bule assobiando, os toc-tocs nos degrais da escada, as primeiras vassouradas na calçada...
"Me deixa aqui hoje, me deixa? Eu não quero ir para a escola hoje. Eu não quero colar palitos de picolé e fazer o contorno da minha mão de amarelo. Não, eu não sei amarrar os cadarços ainda. Não ria de mim por isso. Promete que não vai demorar para vir me buscar mais tarde, promete? Às vezes fico só eu e o porteiro e o resto do meu lanche (que eu nunca como todo pq eu sei que você vai se atrasar e eu vou ficar como fome). Por favor, me deixa ficar em casa. Eu tô com Febre! Se não estou eu vou ficar."

Eu tive que aprender a esperar desde bem cedo.

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"A billion people died on the news tonight
But not so many cried at the terrible sight
Well mama said
It's just make believe
You can't believe everything you see
So baby close your eyes to the lullabies
On the news tonight..."

domingo, 13 de maio de 2007

Fortaleza velozcidade






















Estação da luz
Nos borrões das seis da noite
desenhos no asfalto
Num teatro de arena um monologo estático
[de uma estátua patética .

E continua o balé engarrafado.


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A Praça M.Dias Branco, mais conhecida como rotatória ou matadouro, fica logo no início da Av. Aguanambi. A praça permanece praticamente intacta, já que ninguém vai lá. O seu único habitante é uma estátua de pedra. O espaço tem se tornado uma verdadeira úlcera para motoristas que precisam voltar para casa passando por lá.
E eis o que diz o seu arquiteto:

"De acordo com Sérgio Rodrigues, após a finalização da obra, a praça será um espaço para a realização de movimentos culturais, como a apresentação de corais. "A praça não poderia deixar de ter uma utilidade". Para isso, segundo ele, o espaço ganhará também um coreto e dois quiosques, em metal, e 32 bancos de madeira. O arquiteto também ressaltou o fato da praça possuir segurança 24 horas e um contrato de conservação, ambos financiados pelo grupo M. Dias Branco."

Um total de 97 acidentes foi registrado em 2005 nas proximidades da rotatória. Houve uma morte, 12 feridos e 84 pessoas saíram sem ferimentos. Do total, aconteceram dois atropelamentos. Eis a útilidade.

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Ah, Fortaleza.
Ah, Veloz cidade.
Posted by Picasa

terça-feira, 8 de maio de 2007

Geometria Sartreana

Definição:

Um plano é um subconjunto do espaço vazio de
tal modo que quaisquer dois pontos inexistêntes
desse conjunto possam ser ligados por um segmento
de reta inteiramente contido no conjunto vazio.

sexta-feira, 27 de abril de 2007

Fortaleza Bélica


Eu vou te esquecer em Paris.


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Poema-Pílula dedicado ao Henrique e a Carmélia Aragão :P

terça-feira, 10 de abril de 2007

Erik Satie (ou o homem dos doze ternos de veludo)


9 km até um café em Monmarte. E se irritava quando as pessoas paravam para ouvi-lo tocar o piano.
O que ele queria era música-mobília.

- Não parem de falar! Façam alguma coisa, mexam-se!

Foi mais um dos incompreendidos. Colecionava guarda-chuvas e cachecóis. Pediu Suzanne Valadon em casamento no primeiro dia. Tinha mania de comida branca.Criou sua própria igreja e excomungava todos que discordassem dele. Mas esses pequenos absurdos (para os outros) não incomodavam tanto o resto do mundo como a sua música.
Satie era subversivo, irritante! Um pianista que compunha músicas de 51 segundos era realmente uma ofensa. Os críticos argumentavam que seu minimalismo era resultado da incompetência: Fora resistente aos estudos clássicos de piano.
Colocava em suas partituras instruções de interpretações do tipo "Pense sobre você mesmo", "Questionando", "Sem Orgulho", "Passo a Passo", além de nomear seus trabalhos com nomes quase ridículos como
Chilled Pieces, Drivelling Preludes (for a Dog), Dried up Embryos ...
E ele, como é de se esperar, morreu. E onde está Erik Satie? Quem o conhece? Ele que influenciou Debussy, Ravel, Picasso. Ele que combateu o romantismo musical. Ele que usou pela primeira vez o termo surrealismo. Ele que, Por Deus, criou as Gymnopédias e a música ambiental!
Hoje ele se resume a doze ternos de veludo cinza. E está aqui dentro, compreendendo como ninguém o que eu quis dizer com "silêncios entre um acorde e outro".

domingo, 18 de março de 2007

A grande sinceridade

A grande. A assustadora.Que me vem como que para lembrar o que sem saber esqueci.À Grande Sinceridade caberia uma analogia com o vento, se não fosse ela mais que ventania. Arranca-me os telhados e viola as portas que eu queria acreditar invioláveis. E diferente do vento A Grande Sinceridade vem de dentro e não de fora. E vem de fora também , ou talvez algo fora à chame, como um assobio de sentindo. É a mesma Grande Sinceridade que me faz assumir agora a preguiça de chama-la pelo nome completo e render-me ao desejo de chama-la de Ela, simplesmente. É ela ainda que em paradoxo amordaça-se. Em paradoxo faz com que eu meça cada centímetro do dito e do não dito. Ela precisa de aprovação. Vive disso. E ela que assusta também tem medo: Medo de ser antiga mesmo que nova, medo de ser clichê. Ela é sempre submetida a pesadas críticas e análises mesmo sendo em si a sinceridade. O grande soluço. A implosão que vive na iminência de explodir e para isso é necessário muito pouco.Ela me acorda em certos dias enquanto de um ponto a outro: O grande soluço da memória. Seguido de medo medo medo medo medo. E depois se deita aliviada para mais tarde me acordar em sobressalto novamente.A Grande Sinceridade vive em mim, e não paga aluguel, e não sabe gramática e não cabe nas letras.A grande Sinceridade vive em mim. E não se chama Jamile. A grande Sinceridade morre em mim e eu ando por aí como alguém que tem soluço crônico. E espaçado.

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Coloquei esse texto aqui porquê pretendo deletar o outro blog. Acho que a única coisa que vale a pena guardar é esse texto.

Cortinas




















Eu sou ausência.
Com mãos pequenas eu tento segurar todos os
fios de uma teia que se desfaz:
10 dedos, Oito patas devidamente articulados para sobrevivência.


Eu sou ausência.
Dessa ausência teço meus fios: Dos silêncios e Esperas.
Do que assisto em segredo. Do escuro dos cantos. Das pequenas formigas que me alimentam.
Das janelas abertas uma vez por semana.


E me repito: Eu sou ausência.
Há muito não visitam a minha teia. Nem vermes nem borboletas.
Continuo a tecer fios (Dos telefones. Dos trilhos de trem).


Eu sou ausência.
Logo eu que jamais romperia casulos (Darwin, Mendel e Rousseau também não poderiam)
Me fiz asas e não volto mais.


Eu sou ausência:
O que restam são só teias.
E ainda assim temem as criaturas.
Temem o que se fez ausente.




Conchas. Casulos. Colméias.Apartamentos.




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O objeto não toca a imagem. Jamais.

terça-feira, 13 de março de 2007

"numa dessas noites tudo vai embora..."

Quando a brasa que não apaga e não incendeia solta faíscas
Suspeito que talvez essa vida que tenho chamado latente
seja na verdade latejante.

(até a dormência)




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Em breve escreverei mais, mesmo que tolices.

terça-feira, 6 de março de 2007

Não amarás.

só pra constar:
não tão impossivel assim.

Acabei achando o tal filme do Krzysztof Kieslowski que eu quis
muito assistir numa noite dessas. E é realmente um bom filme.

Agora eu tenho um pedacinho a mais. :)

terça-feira, 19 de dezembro de 2006

Beirut, por assim dizer...


Foi o Bruno que achou e mostrou pro Ary que me mostrou. Agora eu faço barulho. Ou melhor, calo.O barulho eu deixo para eles.

Beirut, por assim não dizer.

Sei pouco. Sei o que li e o que lí é sempre muito igual: 12 músicos, de trompete a bandolins, influências de música cigana dos Balcãs e Folk Rock.
Eu nunca ouvi musica cigana Balcã, meu Deus.
Mas ouvi Beirut. E não acho que é a melhor banda do ano ou que vai mudar a vida de todo mundo. Mas experimenta colocar "Elephant Gun" pra tocar e me diz se você consegue evitar o "reapet". E não ficar louco atrás da letra e nada da letra e nada de parar de ouvir.
O som deles pra mim lembra viagem na janela. Viagem e bucolismo. O vocal me lembra o Morrissey. O som é saudade. (pra mim, ao menos).
às vezes é deliciosamente desarmônico.
E você vai pra cama com os primeiro versinho de elephant gun na cabeça. E fica cantando. Nem foi só comigo! Eu vi o Bruno fazendo o mesmo.
Depois vi a capa do album: é viagem na janela, mesmo. E bucolismo.




Beirut, por assim tentar dizer.

quinta-feira, 14 de dezembro de 2006

Construção-fóssil

Acharam um novo dinossauro.
Em breve terá um nome.
Depois? Palitó, gravata e seriado de tv.


E o mundo continua fazendo com o entulho, tijolos.

sábado, 28 de outubro de 2006

...E é então que o tal Deus se deixa ser mulher
e entre as pernas do mundo escorrem em vermelhas nuvens o abortado sol. Posted by Picasa

terça-feira, 24 de outubro de 2006

Esferismo

Queda livre
aos montes
(objetivo comum)
O mundo refletido em microesferas (esparramou-se)

e
s
corre

E volta ao princípio.